Saturday, April 28, 2007

Elisa Lucinda


Na porta do hall que dá nos interiores do meu coração, Tem uma moça com uma lança na mão. Quem chega não pode entrar assim desastrado Ter acesso ao palácio Ao segredo diário Ao doce difícil apiário de sua função Pode não! Na frente tem um jardim Depois é a sala de estar Que é também a de espera. Lá tem um bar pra quem quiser beber Tem até um “sumiê” Quen é de derreter a gente. Ardente, lá tem instalado Um ar-condicionado a arejar Que é pra disfarçar a quentura que vem de dentro. Na divisa do corredor Em cima do gongá Tem um andor Com uma guerreira treinada pra fazer alguns testes Que é pra ver quem merece entrar Conhecer, se esparramar.Tem teste de olhar Tem prova de fogo Tem prova real Tem a qualidade do jogo Tem argüição geral Tem fino escambau A moça não deixa entrar Só passa quem exuberar fatal Ou quem conseguir ousar dela escapar. Aquele que entrar há de tratar De não desarrumar a mesa posta A comida bem-feita A flor no jarro. Tudo é muito delicado Por isso caro Tudo é pouco e virtuoso Por isso cristal Tudo é garimpado e perseverante Por isso diamante Por isso avante mas não repuxe o tapete, deixe tudo no lugar. Se ficar, há que construir mais uma sala, Em vez de falas, Nem que seja umazinha puxada lá atrás. Mas faça carinho nos móveis: Lá tudo é vida Ali tudo respira sangue e sentimento. Por isso a guerreira precisa barrar os nojentos Os vampiros peçonhentos Disfarçados de príncipes. Ó, é muito simples, como entrar em uma floresta. Isso é aviso, é instrução Isso é precaução de coração vivido... Hoje, fruta esperta protejo o quintal. E se faço esse escarcéu, na portaria Não é nem por ser convencida, mulher superior Rainha metida à beça ou raivosa cadela, e faco tudo isso e vivo na cautela É porque sou muito amiga dela.


MAPA DA MINA

Sunday, April 08, 2007

CRUZ E SOUZA


Para encantar os círculos da Vida
Ser tranqüilo, sonhador, confiante,
Sempre trazer o coração radiante
Como um rio e rosais junto de ermida.
Beber na vinha celestial, garrida
Das estrelas o vinho flamejante
E caminhar vitorioso e ovante
Como um deus, com a cabeça enflorescida.
Sorrir, amar para alargar os mundos
Do Sentimento e para ter profundos
Momentos de momentos soberanos.
Para sentir em torno à terra ondeando
Um sonho, sempre um sonho além rolando
Vagas e vagas de imortais oceanos.
Sempre o sonho

Saturday, April 07, 2007

JAMES JOYCE


Ninguém foi além de Joyce até agora. Ulisses parece ser o fim do caminho. Joyce incomoda por pedir uma atenção não convencional, por exigir uma sensibilidade de leitor que vai muito além do trivial. Incomoda a ponto de você entender quase nada. Quase. Você fica com o sentimento de que tem algo ali que você quase entendeu. Que há muita coisa ali pra revirar.


"Stephen, com o cotovelo repousando no granito pontudo, encostou a palma abaixo da sobrancelha e olhou para a extremidade da manga de seu casaco preto lustroso que começava a puir. Uma dor, que ainda não era a dor do amor, agitou seu coração. Silenciosamente, em sonho, ela viera até ele após a sua morte, seu corpo gasto dentro de largas roupas tumulares marrons, exalando um odor de cera e pau-rosa, seu sopro, que se curvara sobre ele, mudo, reprovador, um fraco odor de cinzas molhadas. Através do punho puído ele viu o mar saudado como uma grande e doce mãe pela voz bem alimentada ao seu lado. A orla da baía e o horizonte continham uma massa líquida verde opaca. Uma tigela de porcelana ficara ao lado do leito de morte dela contendo a bile que parecia uma lesma verde arrancada de seu fígado apodrecido em seus ataques de vômito e de altos gemidos. "
ULISSES

Wednesday, April 04, 2007

MARIO DE SA CARNEIRO

Nem ópio nem morfina que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano- já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade- essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.
A Lucidez Perigosa

Carlos Drummond de Andrade



Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros, na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos! vamos conjugar o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas e do medo
e da moeda e da política, o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar, razão de ser e de viver.
ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Alexandre Herculano

Ai, que és tu, existência?!
Um pesadelo,
Um sonho mau, de que se acorda em trevas,
Na vala dos cadáveres, em meio
Da única herança que pertence ao homem,
Um sudário e o perpétuo esquecimento.
(...)
E da pátria a saudade, em sonho triste,
Imóvel, do viver me tece a noite.
Tristezas do Desterro

Almeida Garrett

Seus olhos se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.

Seus Olhos

Eça de Queirós

Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
O Suave Milagre