Saturday, November 22, 2008

Lygia Fagundes Telles


"Aprendi desde cedo que fazer higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente. Imaginava uma cratera negra dentro da qual os pecadores mergulhavam sem socorro. Contudo, não conseguia visualizar os corpos lá no fundo e isso me apaziguava."

"Mas até nos momentos mais agudos dessa autoflagelação eu tive o que não tivera antes, esperança. Esperança em mim. Esperança nos outros, esperança em Deus, que eu nem sabia se existia ou não, mas que jamais me abandonaria."


O ESPARTILHO

Sunday, August 24, 2008

Lygia Fagundes Telles

E Yasbeck foi quem mais teve ciúme de mim, até detetive punha me vigiando. Finge que não liga mas a pupila se dilata e transborda como tinta preta derramando no olho amarelo. Já falei nesse olho? É nele que vejo a emoção. O ciúme. Fica intratável. Recusa a manta, a almofada e vai para o jardim, o apartamento fica no meio de um jardim que mandei plantar especialmente, uma selva em miniatura. Fica lá o dia inteiro, amoitada na folhagem, posso morrer de chamar que nao vem, o focinho molhado de orvalho ou de lágrimas.

TIGRELA - MEUS CONTOS ESQUECIDOS

Sunday, July 13, 2008

Marguerite Duras


Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida.
O AMANTE

Saturday, April 19, 2008

J W ROCHESTER


Essas longas noites de inverno quero dedicar à memória da única mulher que amei e junto ao túmulo da qual quero viver e orar até o fim dos meus dias...

O CASTELO ENCANTADO

Monday, April 14, 2008

Chico Buarque


Esta cova em que estas, em palmos medida. É a conta menor que tiraste em vida. De bom tamanho, nem largo nem fundo. É a parte que te cabe deste latifundio. É uma cova grande pro teu pouco defunto Estaras mais ancho que estavas no mundo. Não é cova grande, é cova medida, É a terra que querias ver dividida. Uma cova grande pra tua carne pouca. Mas é terra dada e não se abre a boca.

MORTE E VIDA SEVERINA

Joao Cabral de Melo Neto


— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. MORTE E VIDA SEVERINA

Tuesday, March 04, 2008

Lygia Fagundes Telles


Descobri outro dia que a gente só se mata por causa dos outros, para fazer efeito, dar reação, compreende? Se não houvesse ninguém em volta para sentir piedade, remorso e etc. e tal, a gente não se matava nunca. Então descobri um jeito ótimo, me matar e continuar vivendo. Largo meus sapatos e minha roupa na beira do rio, mando cartas e desapareço.

Verão no Aquário

Wednesday, February 20, 2008

Jose Carlos Marinho Silva




Ah, meu bom Jesus! Quanto mais a gente vive é que aprende melhor que as coisas acontecidas são mais impossíveis que as coisas imaginadas.


O Gênio do Crime



Friday, February 08, 2008

Lygia Fagundes Telles


"Ah! se a gente pudesse se organizar com o equilíbrio das estrelas tão exatas nas suas constelações. Mas parece que a graça está na meia-luz. Na ambigüidade. E até as estrelas, pobrezinhas, equilibradas mas tremendo tanto na solidão... "

"Gregório podia me ajudar in memoriam pelo tempo que me amou, sabia latim. Até grego. Mecânica celeste. Acho que andava triste comigo mas quem aprendeu tanto devia perdoar quem sabe tão pouco."

AS HORAS NUAS


Wednesday, January 30, 2008

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO


"De Paris, amo tudo com igual amor: os seus monumentos, os seus teatros, os seus bulevares, os seus jardins, as suas árvores… Tudo nele me é heráldico, me é litúrgico."
"Europa! Europa! Encapela-te dentro de mim, alastra-me da tua vibração, unge-me da minha época!…"
A CONFISSÃO DE LÚCIO

Monday, January 28, 2008

Herman Melville


...decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco. O que nada tem de espantoso. Os homens não se dão conta disto, mas todos, em certo momento da vida, sentiram pelo mar um amor tão profundo como o meu. No entanto, não é como passageiro que navego.
MOBY DICK

João Cabral de Melo Neto


Estatura pequena e nítida
das cidades de onde ela era:
daquele justo para o abraço
que é de Cádiz, onde nascera,
e de Sevilha, onde vivia e se dizia,
mas não era: cidades que ainda se podem abraçar
de uma vez, completas, e que dão certo estar-se dentro,
àquele que as habita ou versa, a entrega inteira,
feminina, e sensual ou sexual, de sesta.

Lygia Fagundes Telles




SIMONE DE BEAUVOIR


Uma porta fechada, qualquer coisa que espreita, atrás. Ela não se abrirá se eu não me mexer. Não me­xer. Jamais. Parar o tempo e a vida. Mas eu sei que mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que tem detrás. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implaca­velmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que espreita atrás dela. Tenho medo. E não posso chamar ninguém por socorro.

MULHER DESILUDIDA

Thursday, January 17, 2008

Álvares de Azevedo


Dom Quixote! Sublime criatura!
Tu sim foste leal e cavaleiro,
O último herói, o paladim extremo
De Castela e do mundo.
Poemas Malditos

Tuesday, January 15, 2008

JORGE AMADO


Jogávamos jogos de prenda.
Andávamos de carro de boi.
Morávamos em casa mal-assombrada.
Conversávamos com moças e mágicos.
Achavas a Bahia imensa e misteriosa.
A poesia deste livro vem de ti.

Prefácio de: Capitães da Areia

Monday, January 14, 2008

Arthur Rimbaud


Antigamente, se bem me lembro, minha vida era um festim no qual todos os corações exultavam, no qual corriam todos os vinhos. Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. E achei-a amarga. E injuriei-a. Armei-me contra a justiça. Fugi. Ó feiticeiras. ó miséria, ó ódio, a vós é que foi confiado o meu tesouro! Tudo fiz para que se desvanecesse em meu espírito a esperança humana. Como um animal feroz, investi cegamente contra a alegria para estrangulá-la.Conjurei os verdugos para morder, na minha agonia, a culatra de seus fuzis. Conjurei as pragas, para afogar-me na areia, no sangue. Fiz da desgraça a minha divindade. Refocilei na lama. Enxuguei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.

Uma Estação no Inferno

Arthur Rimbaud


Eu habitava em sua alma como em um palácio que se desocupou para não se ver nele uma pessoa menos nobre que vós... Quando eu me for que estranho te parecerá tudo que tens passado. Quando já não tenhas meus braços em volta do teu pescoço, nem meu coração para reclinar-te, nem esta boca sobre teus olhos. Porque um dia terei que partir para muito longe.
Uma Estação no Inferno

Thursday, January 10, 2008

Joaquim Pessoa


Meu amor

no teu peito de coragem
feito de pedras e cardos
há um país de viagem
e vinhos verdes maduros bastardos.
Há uma pedra de cal
em cada olhar que respira
há uma dor que já dura
desde que dura a mentira
há um muro levantado numa seara madura.
Verde mar verde limão são os teus olhos de medo
o vento é este segredo
que escreve em cada manhã
seu nome na erva, numa folha, nos bagos de uma romã.
Acendo-te uma fogueira nas tuas mãos acordadas
dou-te flores de laranjeira, dou-te ruas, dou-te estradas
dou-te palavras secretas, dou-te coragem e setas
Dou-te o meu nome raíz
há muito tempo arrancada
dou-te esta calma guardada
nos homens do meu país
dou-te a fome do meu canto proibido
dou-te os meus braços em cruz
e as mãos feitas num crivo
dou-te os meus pulsos abertos
mas é por outra que vivo.

Monday, January 07, 2008

Frederico Garcia Lorca


No hay que esperar nunca!
Hay que vivir!

Asi que pasen 5 años.